O Secretário do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, D. Juan Ignacio Arrieta, explica
num artigo como o então Cardeal Ratzinger, já em 1988, percebeu a necessidade de reformar o direito penal canónico. Pelos documentos que Mons. Arrieta deu a conhecer, num artigo publicado na Civiltà Cattolica (disponível aqui), o actual Pontífice, já naquela altura, tomou consciência que, os instrumentos jurídicos previstos no Código de Direito Canónico, publicado em 1983, para fazer face a comportamentos moralmente muito graves, deveriam ser alterados, de maneira a poderem garantir a defesa dos mais fracos.
O artigo de Dom Arrieta, sob o título "A influência do Cardeal Ratzinger na revisão do sistema penal canónico" salienta o "papel determinante que, neste processo de mais de vinte anos de renovação da disciplina penal, desempenhou a decidida acção do actual Pontífice, até ao ponto de representar sem dúvida alguma, junto a tantas outras iniciativas concretas, uma das constantes que caracterizaram a acção de Joseph Ratzinger".
O Mons. Arrieta faz um balanço da aplicação do Código de Direito Canónico aprovado em 1983 e os principais problemas na sua aplicação.
Como primeiro resultado concreto desta tarefa, explica D. Arrieta, está um projecto que "nas próximas semanas, o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos enviará a seus membros e consultores" para a a reformulação do Livro VI, sobre as penas canónicas, do actual Código de Direito Canónico.
Segundo o Autor do artigo, em fevereiro de 1988, o então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Joseph Ratzinger, solicitou à Pontifícia Comissão para a Interpretação Autêntica do Código de Direito Canônico, presidida pelo Cardeal Rosalío Castelo Lara, que os procedimentos perante determinados casos graves sejam mais rápidos e simplificados.
Este texto, comenta Dom Arrieta, "foi retomado durante os trabalhos que, neste momento, está a ser feita pelo Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, de maneira a rever o Código.
Para o Secretário deste dicastério, a carta do Cardeal Ratzinger, "reflecte, acima de tudo, a repugnância natural do sistema da Justiça para conceder como ‘acto de graça’ (dispensa das obrigações sacerdotais) algo que, em troca, é necessário impor como castigo (demissão do estado clerical)".
"Com efeito, em ocasiões, querendo evitar as ‘complicações técnicas’ dos procedimentos estabelecidos no Código para castigar condutas delitivas, recorria-se a que o culpado pedisse ‘voluntariamente’ para abandonar o ministério sacerdotal".
Dom Arrieta assinala que "deste modo, renunciava-se também à Justiça e, como assinalou o Cardeal Ratzinger, deixava-se injustamente de lado ‘o bem dos fiéis’. Esse era o motivo central da petição, e também a razão pela qual se tornava necessário dar prioridade, nestes casos, à imposição de justas sanções penais mediante procedimentos mais rápidos e simples, que os actualmente previstos no Código de Direito Canónico".
Pastor Bonus
Em junho de 1988, a Constituição Apostólica Pastor Bonus, que modificou a organização da cúria Romana, estabelecia no seu artigo 52 a jurisdição penal exclusiva da Congregação para a Doutrina da Fé, não só em relação aos delitos contra a fé ou na celebração dos sacramentos, mas também em relação aos "delitos mais graves cometidos contra a moral".
Este texto, explica o D. Arrieta, foi proposto pela Congregação presidida pelo Cardeal Ratzinger tendo em conta a sua própria experiência.
Outras duas intervenções importantes
O Secretário do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos explica que a primeira foi a preparação das Normas sobre os denominados "delicta graviora" nos anos 90, cujas últimas modificações foram publicadas pela Congregação para a Doutrina da fé em julho deste ano.
"Essas Normas tornaram efectiva a aplicação do art. 52 da Constituição Apostólica Pastor Bonus ao indicar, em concreto, quais eram os delitos contra a moral e os encargos na celebração dos sacramentos que devem ser considerados como ‘particularmente graves’ e, portanto, da exclusiva competência da Congregação para a Doutrina da Fé".
Outra intervenção do Papa, que é pouco conhecida, explica Mons. Arrieta, está relacionada com a aplicação do sistema penal do Código de Direito Canônico nos lugares de missão, onde a sua aplicação é mais complexa.
As faculdades especiais, para actuar em situações penais graves, da Congregação para a Evangelização dos Povos foram solicitadas em 1997 numa assembleia plenária, na qual participou, como relator, o então Cardeal Ratzinger.
Estas disposições foram ampliadas no ano 2008, sendo Pontífice Bento XVI, e também foram concedidas à Congregação para o Clero.