No séc. XVIII, Monges Beneditinos construiram um Mosteiro em Dajla, na região de Ístria (Triste, em italiano), no Noroeste da actual Croácia, no território da Diocese de Poreč e Pula.
No final da Segunda Guerra Mundial, todos os bens eclesiásticos foram nacionalizados pelas autoridades da então Jugoslávia, que ocupou aquela região, onde viviam numerosos italianos. Essa ocupação foi ratificada pelo Tratado de Osimo, assinado entre a Itália e a Jugoslávia, em Novembro de 1975.
Com essa nacionalização de bens, os Monges Beneditinos tiveram que abandonar o Mosteiro que tinham construído e todos os bens, e refugiaram-se em Praglia, na Província de Pádova, no norte de Itália. Com os acordos de Osimo, os Beneditinos receberam uma indemnização, em 1975, de 1,8 milhões de liras (cerca de 870 mil euros).
Com a desagregação da ex República Jugoslava, em 1999, uma boa parte dos bens eclesiásticos que tinham sido nacionalizados no pós-guerra, foram devolvidos a entes eclesiásticos. O Mosteiro construído pelos Beneditinos em Dajla, e os terrenos adjacentes (no total de 600 hectares), não foram devolvidos à Ordem Beneditina, mas foram entregues à Paróquia de Dajla e à Diocese à qual esta Paróquia pertence.
Nessa altura, os Monges Beneditinos de Praglia fizeram o pedido que lhes fosse devolvido o imóvel e os terrenos que lhe pertenciam antes da nacionalização dos bens por parte das ex-autoridades jugoslavas. As autoridades croatas recusaram este pedido por parte dos Beneditinos, uma vez que, tendo eles recebido uma indemnização ao abrigo do Tratado de Osimo, teriam perdido o direito a qualquer outra indemnização ou à devolução dos bens em causa. No entanto, os Monges Beneditinos não desistiram e, em 2006, exigiram à Diocese de Poreč e Pula uma indemnização de 30 milhões de euros. Isto porque a Diocese vendeu uma parte dos 600 hectares de terreno, que foram urbanizados, de maneira a que o valor dos terrenos adquiriu um valor muito superior à indemnização paga em 1975.
Para evitar um processo moroso e complexo, e uma vez que se recorreu à Santa Sé para resolver o conflito, em 2008 foi constituída, pelo Santo Padre, uma comissão da qual fazia parte, entre outros, o Card. Attilio Nicora (na altura, Presidente da Administração do Património da Sé Apostólica, APSA) e o Card. Josip Bozanic, Arcebispo de Zagreb (Croácia). Depois de um minucioso estudo, a Comissão deu razão aos Beneditinos, condenando a Diocese croata a devolver o imóvel e os terrenos, bem como a pagar uma indemnização de 6 milhões de euros (lembre-se que uma parte dos terrenos tinham sido vendidos). Segundo um comunicado emitido hoje (02/08/2011) pela Santa Sé, a Comissão de Cardeais apresentou as conclusões ao Papa em Dezembro de 2010, que as aprovou. Segundo o relatório da Comissão, o imóvel e os terrenos deveriam ser devolvidos à Ordem Beneditina para que fosse cumprida a vontade dos doadores que, por testamento, tinham cedido aqueles bens e o seu usufruto aos Beneditinos. Além disso, a indemnização estabelecida, ainda que pareça muito grande, é meramente simbólica quando comparada com as receitas que a Diocese de Poreč e Pula tinha obtido com a alienação de uma parte do terreno.
O Bispo da Diocese de Poreč e Pula, D. Ivan Mirovan, que inicialmente tinha aceite procurar uma solução pacífica para resolver a situação, acabou depois por recusar-se a aceitar as conclusões da Comissão Pontifícia. Para que as conclusões da Comissão pudessem ser cumpridas, no passado dia 6 de Julho, numa decisão que parece ser inédita, o Santo Padre nomeou o Mons. Santos Abril y Castelló (anterior Núncio na ex-Jugoslávia e actual Vice-Camerlengo) como Comissário ad actum que, para esta específica questão, substituiu a Autoridade local (ou seja, o Bispo) e, através de um comum acto notarial, assinou a devolução do imóvel e dos terrenos anexos, aos Beneditinos. Na prática, o Comissário Papal substituiu o Bispo local numa decisão administrativa de governo da Diocese.
Do ponto de vista canónico, a decisão do Papa de intervir directamente num acto concreto administrativo de uma Diocese é um caso extremamente raro.
Este caso, está a ter muita repercussão nos meios de comunicação croatas, já que, segundo as autoridades civis, é uma interferência directa da Santa Sé que viola o Tratado de Osimo, de 1975, estabelecido entre a Itália e a ex-Jugoslávia. Os contactos diplomáticos ao mais alto nível têm acontecido entre a Santa Sé e o Governo croata.
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